segunda-feira, 24 de março de 2008

O profeta da desgraça - e co-responsável

Alan Greenspan é visto como um dos melhores presidentes da Reserva Federal norte-americana (FED), que liderou durante quase duas décadas. Por isso, cada vez que fala, os mercados ouvem-no com atenção. O artigo que publicou esta semana, admitindo que a actual crise financeira nos Estados Unidos será provavelmente julgada como a mais grave desde o fim da II Guerra Mundial, teve por isso natural impacto - e terá, inclusive, contribuído para aumentar a turbulência que se viveu nos mercados de capitais. Curiosamente, Greenspan passa ao de leve sobre o epicentro da crise, ou seja, sobre a subavaliação dos riscos que as instituições financeiras fizeram relativamente a múltiplos produtos ligados ao crédito imobiliário de alto risco. Ora, foi essa subavaliação que levou ao colapso do quinto maior banco de investimento dos Estados Unidos, o Bear Sterns, adquirido pela JP Morgan por 90% menos do que valia há uma semana. Foi isso que levou o Citigroup a ter de fazer um vultuosíssimo aumento de capital, subscrito em cinco mil milhões de euros por um fundo soberano do Abu-Dhabi. Foi isso que levou os títulos da Lehman Brothers a cair 48%. E é também isso que pode levar vários pequenos bancos norte-americanos a entrar em falência, como admitiu o presidente da FED, Ben Bernanke. Sobre isto, Greenspan afirma apenas piedosamente: "Espero que uma das vítimas não seja a confiança na vigilância das instituições homólogas e, de uma forma mais geral, na auto-regulação financeira enquanto mecanismo de equilíbrio fundamental para a finança global". Infelizmente para o pequeno homenzinho verde, como um dia lhe chamou o 'Financial Times', a realidade está a contradizer o seu piedoso desejo. Com efeito, o laço primordial da confiança entre instituições financeiras foi quebrado com a falência dos primeiros fundos de investimento - e a crise de liquidez tornou-se uma crise financeira. Daí que os banqueiros não confiem nos seus pares, ao ponto de não emprestarem dinheiro uns aos outros. E que os bancos centrais não ponham as mãos no fogo pela solvabilidade dos bancos que têm de supervisionar. Ora é aqui que Greenspan volta a entrar. Não foi ele que assistiu durante quase duas décadas às sucessivas desregulamentações do sistema financeiro norte-americano e à criação de produtos financeiros cada vez mais complexos, sem intervir para travar decididamente esse movimento? Não foi ele que conduziu as taxas de juro a patamares historicamente tão baixos que todos estes produtos davam sempre a ilusória sensação de não terem risco? Greenspan fica associado ao maior período de expansão da economia dos EUA. Mas também tem responsabilidades nesta crise. E tanto é verdade a primeira asserção como a segunda. Olho na Autoeuropa Sexta-feira, 14 de Março, 17h35. Chega às redacções, por mail, um seco comunicado da Autoeuropa, dando conta que, "por motivos de ordem pessoal", Jorn Reimers decidiu abandonar o lugar de director-geral da fábrica de Palmela. Desde que a empresa é controlada pela Volkswagen, é a primeira vez que um director-geral abandona o cargo abruptamente, apenas 11 meses depois de ter chegado. Ao contrário do seu bem sucedido antecessor, Reimers desenvolveu um estilo que levou ao mau-estar na administração, a distanciamento com os trabalhadores e a crescentes exigências, mal explicadas, aos fornecedores. A sua saída só pode ser lida como uma decisão política do grupo VW face às notícias que sobre estes temas foram saindo na comunicação social. Contudo, a questão não se resolve com a substituição de Reimers. A incorporação nacional em veículos produzidos na Autoeuropa, que chegou a ser superior a 50% nos primeiros anos da fábrica, anda agora na casa dos 2% no VW Eos. Para conseguirem encomendas, há fornecedores nacionais que já recorrem a empresas alemãs para que estas negoceiem em seu nome. Quando um modelo vem para Portugal já está desenhado, projectado e desenvolvido (na Alemanha), os motores vêm da Alemanha, Hungria e Polónia, e os fornecedores estão todos contratados, a partir do centro de decisão na Alemanha. Perante este quadro, está na altura do Governo, através do ministro da Economia, chamar a direcção da Autoeuropa e dizer-lhe, muito claramente, que a empresa é muito apreciada mas não está a cumprir o contratado: novos modelos e uma significativa percentagem de incorporação nacional nos veículos produzidos. Às vezes, é preciso dar um murro na mesa para não se confundir a hospitalidade portuguesa com um país de bananas. Chegou o Carnaval Com o inquérito parlamentar à supervisão financeira, cuja comissão tomou posse esta semana, o que "este" PSD pretende é 1) vingar-se do governador do Banco de Portugal, por em 2005 ter liderado uma comissão que apurou um défice implícito de 6,8% no Orçamento do Estado elaborado pelo Governo do actual líder da bancada parlamentar laranja; 2) tentar atingir o ministro das Finanças, que na altura dos factos presidia à CMVM; 3) e incomodar o actual presidente da CMVM, Carlos Tavares, um dos ódios de estimação de Santana Lopes. Para alcançar estes objectivos, "este" PSD não se importa de ignorar as vozes que se têm oposto a esta decisão, nomeadamente a dos ex-ministros das Finanças do PSD, Eduardo Catroga, Manuela Ferreira Leite e Miguel Beleza, bem como de ignorar os sinais no mesmo sentido que vêm de Belém. Ainda se importa menos com o facto de nenhum dos argumentos que invocou para pedir o inquérito parlamentar se ter verificado. Na verdade, "este" PSD ameaçou avançar com o inquérito se o PS impedisse o ex-presidente do BCP, Filipe Pinhal, de ser ouvido na audição que entretanto decorreu. Depois, ameaçou com o inquérito se Pinhal confirmasse que tinha sido pressionado pelo Banco de Portugal a não se recandidatar à presidência do banco e que a supervisão tinha falhado. Pinhal não confirmou a primeira hipótese e disse sobre a segunda que a supervisão não poderia ter detectado tudo o que se passou no banco. Agora, "este" PSD quer uma comissão rapidinha, que condene os supervisores e não incomode os banqueiros. Vai sair-lhe o tiro pela culatra. Nem os supervisores serão condenados nem os banqueiros deixarão de ser incomodados. Não haverá novidades em relação à audição parlamentar. Restará apenas a triste figura "deste" PSD neste caso.

Sem comentários: